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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Uma mesa de bar

Por Antônio Ávila


Depois de mais um dia de trabalho aqui estou novamente, nessa mesa de bar... 
Não, não sou o Reginaldo Rossi, apenas gosto de dar uma passadinha aqui depois do expediente, colocar os pensamentos em dia, “reiniciar o HD”.
E nada melhor que um lugar onde eu me sinta bem, de preferência sem muito barulho.
Essa hora, não tem muito movimento aqui no bar do Gringo, alguns poucos clientes ou fregueses, como queiram.
Eu tenho um cantinho estratégico aqui no bar, é uma mesinha lá no fundo, meio escondida, mas onde posso observar o movimento dos transeuntes.
O prédio fica numa esquina, de onde tenho uma visão privilegiada da rua.
O pessoal aqui já me conhece, apesar de nossa relação não passar de um cumprimento.
Quando entro, dou “boa tarde, tudo bem?” e acaba aí nosso papo, no máximo eles me dizem...
- E aí gaúcho? Teu time matou a pau ontem hein?
Respondo...
-Pois é...
E sigo meu caminho, engraçado que a “minha mesa” está sempre vazia, como se estivesse reservada.
O Gringo conhece a vida de todo mundo, é daqueles sujeitos que sabe de tudo um pouco, ou acha que sabe, na verdade acho que isso é um dom, ou um defeito, pelo menos a maioria dos bodegueiros é assim.
Mas não dou muita “trela” pra ele, no mínimo me acha esquisito, tenho certeza que da minha vida não sabe nada.
Aqui no fundo tem um espaço grande, onde antes tinha uma mesa de sinuca, mas o Gringo andou se incomodando e deu um fim nela, colocou mais umas mesas e cadeiras.
Nessa hora quase nunca tem ninguém por aqui, mais tarde aparecem alguns, onde repete-se o mesmo ritual da entrada, um cumprimento e só, não me incomodam.
Como observaram o bar não é nenhum restaurante de luxo, mas gosto daqui, pelo menos a cerveja é no ponto, o copo sempre gelado e não me sinto incomodado.
Tem também o Chico, que atende as mesas, um rapazinho franzinho, veio do interior do Paraná com a família para tentar algo melhor por aqui.
É um sujeito discreto, não é daqueles enxeridos que querem puxar assunto, sem terem o que falar.
Todos aqui gostam dele, pelo menos o tratam com respeito, essa é a impressão que passa.
Já sabe minhas manias e a minha cerveja preferida, sempre quando entro me cumprimenta e pergunta...
- O de sempre?
-Sim, respondo.
Limpa a minha mesa, e me serve.
-Qualquer coisa é só chamar...
-Ok
E retira-se, qualquer dia desses vou sacanear ele e pedir uma Coca-Cola, brincadeira.
Pois bem, me acomodo no meu lugarzinho preferido, torcendo para que não chegue ninguém mais indiscreto.
Raramente chega, mas quando chega é a senha para eu terminar a cerveja e ir embora.
Retiro um bloquinho de papel do bolso que sempre carrego comigo e fico matutando, fazendo uns rabiscos, umas caricaturas, anotações, ou então fico somente observando.
Aliás, essa é uma mania que me persegue desde pequeno, observar o que acontece a minha volta.
Não me entendam mal, não fico “reparando” nos outros, é que eu me coloco no lugar das pessoas, tentando entender o que se passa na cabeça de cada um, seus problemas, suas frustrações, como se eu não tivesse as minhas também.
“ESTOU SEMPRE TENTANDO APARAR O CABELO DE ALGUÉM, E SEMPRE TENTANDO MUDAR A DIREÇÃO DO TREM”...
O velho e imortal Raul.
Quanta pretensão, como se eu fosse um cirurgião.
Nunca prestei atenção se durante esse meu transe, os frequentadores do bar me observam também, ou nem me dão atenção, devem me considerar meio maluco, fora da casinha.
Nessa hora começa o movimento na rua, é a chamada hora do pique, então é um prato cheio para minha paranóia quase diária.
Logo após a calçada em frente ao bar, tem uma ciclovia onde os pedestres dividem o espaço com algumas raras bicicletas.
Na avenida em frente, o movimento dos carros triplica, é buzina, xingamentos, motoristas apressadinhos, estressados, motoqueiros tentando se matar, pedestres atravessando fora da faixa de segurança, como se a faixa adiantasse para alguma coisa, é uma pintura meramente decorativa, ninguém respeita mesmo.
Há, esqueci de mencionar, os banheiros ficam mais ao fundo atrás de um “biombo”, então de vez enquando passa alguém perto da minha mesa, nesse momento eu sinto que me olham, mas não me dirigem a palavra, considero isso como uma atitude de respeito, curiosidade ou seria medo?
Claro, um pouco de exagero, não sou tão pavoroso assim.
Chamo o Chico, que trás outra bem gelada, troca o copo sem eu pedir (esse cara é bom) acho que por isso frequento o local, pelos detalhes, os outros bares aqui perto não tem esse diferencial.
Serve-me e retira-se novamente sem me incomodar.
Continuo minha análise, na ciclovia passa a patricinha embalada a vácuo, com um fonezinho de ouvido, “tênis de marca”, parece alheia a tudo, mas no fundo sabe que está sendo observada, e gosta disso, não falta uma buzina, ou um assovio para ela.
Logo atrás o bad boy bombado, devidamente puxado pelo seu Pitt Bull, pelo menos a fera está com uma focinheira, esse se acha a última bolachinha do pacote, muito músculo e nada na cabeça, mas com certeza (detesto essa expressão) tem alguém que gosta.
O garoto de bicicleta quase atropela a senhora cheia de sacolas, e ainda acha engraçado.
Passa a mãe preocupada com os filhos que ficaram sozinhos durante o dia, cansada, tem que chegar em casa e fazer a janta, e deixar o almoço pronto para o dia seguinte.
Benditas mulheres donas de casa.
Passa o homem com a expressão cansada, marmita na bolsa, depois de um dia cansativo, talvez esteja a pé para economizar o passe do ônibus, ou porque mora perto, ou porque não tem o passe.
Também tem um doente mental que sempre passa por aqui nessa hora, parece um ritual, olhar perdido, cigarro na boca, talvez esse seja uma pessoa feliz, vai saber né?
Passam adolescentes, achando que sabem tudo da vida e na verdade não sabem nada, esses ganham um desconto, também já fui um.
Crianças sem preocupação nenhuma, apenas querem saber o que vão ganhar de presente no natal.
Pedintes, bêbados, drogados e toda a estirpe de gente, realmente, a raça humana é complicada.
E por aí ,vai às vezes isso me deprime, outras vezes acho engraçado.
De repente do nada surge um conhecido, senta-se na minha mesa sem eu convidá-lo.
Pronto, é a senha.
- E aí cara? Tudo bem? Quanto tempo?
-Pois é, cara, já estava de saída, preciso passar no supermercado.
-Chico! Passa a régua...
Já estava no fim da cerveja mesmo, para não parecer tão antipático ainda pergunto...
-Quer tomar uma? Eu pago.
Claro que ele aceita, pago a conta, me despeço, peço desculpas pela pressa e prometo tomar umas com ele outro dia.
Ele assume meu lugar à mesa, pede um cinzeiro para o Chico, e eu vou embora varrer o lixo pra debaixo do tapete.
“HÁ, MAS QUE SUJEITO CHATO SOU EU QUE NÃO ACHA NADA ENGRAÇADO.”

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